terça-feira, 19 de abril de 2016

Aristocracia e Democracia (Jorge Luis García Venturini, 1974)

Das alternativas semânticas sofridas ao longo do tempo, estes vocábulos parecem ter significados opostos. A participação de todos na coisa pública foi denominada democracia (ainda que como forma de governo o nome correto seja República), e como tal enfrentava a participação de só uns poucos homens, o que se denominava aristocracia e, também, oligarquia, termos estes que se usam indistintamente, o que tampouco é correto.

A democracia – na linguagem ligeira e convencional– soa como oposição à aristocracia. Porém isto precisa de uma maior atenção, pois atrás desta falsificação semântica se esconde uma falsificação conceitual e entram em jogo princípios fundamentais.

Se por aristocracia entendermos uma classe social que por sua linhagem está investida de numerosos privilégios, entre eles o de governar, sendo estes privilégios hereditários e inalteráveis, quaisquer que sejam os valores éticos ou a efetiva capacidade para fazer-lo, é certo que a democracia (e a República) constituem o contrario daquele sistema. Porém, ocorre que aristocracia significa também e, fundamentalmente, o “governo dos melhores” (aristos é, em grego, o melhor), e nesse sentido a democracia não tem porque ser oposição à democracia, ao menos que vire algo que não deveria virar, isto é, o governo dos piores. Contudo, a má adoção do termo, que nos faz dizer às vezes o que não queremos dizer, nos tem levado a associar a aristocracia com a oligarquia, que não é o governo dos melhores, senão de uns poucos (e segundo seu sentido tradicional, o governo "egoísta" desses poucos), e colocando a democracia contra a aristocracia.
E como a linguagem nos condiciona e também nos determina - como diriam os estruturalistas, "eu não falo, sou falado" - em não poucas situações a democracia passou a significar ou a implicar na mediocridade, na mediocracia ou diretamente na possibilidade de acesso ao poder pelos menos aptos, os inferiores, incapazes ou piores. Há casos em que não se trata de aristocracia nem de democracia, mas abertamente de Kakistocracia.
Nos dias atuais todos se autodenominam democratas e quase no há quem se diga aristocrático; este adjetivo é quase visto como um insulto. E isto é muito grave. Porque ao empregar mal os termos vamos perdendo os sentidos de melhor e caminhando rumo ao conformismo diante da mediocridade, de aceitar o pior. E o mais triste é que se faz isso em nome da democracia.
A democracia - preferentemente em seu verdadeiro significado de vida, mas também no sentido de forma de governo - só pode funcionar efetivamente se não se opuser à aristocracia, se juntar-se à ela e for impregnada pela mesma. Por sermos democráticos, devemos não desejar um governo dos melhores? devemos aplaudir o governo dos piores?
Também é preciso advertir sobre uma coisa: Que esse governo dos piores não são meras palavras. Há casos na história em que diversas circunstâncias possibilitaram a chegada dos piores ao poder e não é injusto enquadrá-los como "os piores" pelos seus passados, pela ausência de capacidade para o cargo e por suas fragilidades morais. 
O ideal aristocrático está presente na melhor tradição ocidental. Mesmo na epopeia homérica o conceito de aretê é o atributo adequado e infalível da nobreza. Aretê é o valor, o talento, a capacidade, etc. Nos filósofos clássicos e nos meios de comunicação se afirma a necessidade do "governo dos melhores", ainda que nunca tenha sido fácil encontrar a forma para realizá-lo. Rousseau, inteligentemente, apontava que a melhor forma de governo não era a democracia (que ele entendia no sentido de exercício direto do poder pela multidão), mas a aristocracia eleita, convencido de que do sufrágio surgiriam os melhores, ainda que reconhecesse que o procedimento pudesse falhar. Porém, o que nos interessa destacar aqui é que um homem do século XVIII, um porta-voz da revolução, um antimonárquico e um antiaristocrático (no sentido da aristocracia clássica e hereditária) defendeu a aristocracia como forma ideal de governo.
Em nosso século, temos o caso, não de um pensador, mas de um político ativo, que é um verdadeiro modelo do que queremos dizer. Se trata do inglês Winston Churchill, o maior dos aristocratas. Seu sentido democrático foi realmente excepcional. Ninguém defendeu com tanta clareza e determinação a democracia como forma de governo e como forma de vida. A ninguém devemos tanto pela democracia. 
Perigosa é a tendência em nossos tempos de mediocrizar, de igualar tudo por baixo, de excluir os melhores e aplaudir os piores, de seguir na linha do menor esforço, de substituir a qualidade pela quantidade. A verdadeira democracia nada tem a ver com as frágeis tentativas. Não pode ser um processo gravitacional de cima para baixo, mas um esforço de transformação que vai de baixo para cima. E isso vale tanto para a consciência individual como a consciência coletiva, que interagem. Dizia muito bem Platão que "a qualidade da Pólis (cidade) não depende nem dos carvalhos, nem das rochas, mas da condição de cada um dos cidadãos que a integram".
O Cristianismo e o Liberalismo, cada um, a seu momento, foram grandes promotores sociais, pois quebraram estruturas rígidas e fizeram que os de baixo pudessem chegar em cima. Nesse sentido foram dois grandes processos democráticos. Porém ninguém de seus teóricos defendeu a mediocridade, nem renunciaram ao "governo dos melhores". Só o populismo atual, que não é democrático, mas sim totalitário, abre mão do ideal aristocrático e introduz os piores. 
Que lástima.
Traduzido por Alexsander Borges Ribeiro, a partir do original em espanhol: VENTURINI, Jorge Luis García. Aristocracia y democracia. 29 dec. 1974 (La prensa). Republicado em 27 sep. 2007 por El Instituto Independiente

Um comentário:

  1. Sinclair Lopes acredita em um governo democrático, e na igualdade social, pois é um homem do povo! Confira seu trabalho...

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